Não acredite em alienígenas (lista do Zé #52)
As teorias da conspiração e o apagamento do conhecimento pré-invasão europeia
Lembro quando li Eram os deuses astronautas pela primeira vez… Naquele momento ficou claro para mim: os alienígenas construíram as pirâmides. Não tinha outra explicação. Quando lançou o livro em 1968, o suíço Erich von Däniken se tornou rapidamente uma celebridade. Estamos falando do momento em que a União Soviética e os Estados Unidos brigavam pela conquista do espaço.
Nos agora distantes anos 90 (pois é 👴), tudo aquilo ainda parecia relevante e inspirava histórias, como o filme Stargate, por exemplo. Depois de ler o livro, eu escrevi uma história inspirada nessa “teoria”, que foi materializada quase uma década depois em fanzines. Em UNO, eu mostrava uma espécie alienígena tentando colonizar a Terra em quatro épocas distintas, incluindo durante a civilização maia. Afinal, segundo Von Däniken, era impossível que as civilizações antigas tivessem tantos conhecimentos sobre o mundo milhares de anos atrás. Eu volto a isso mais à frente.
Definitivamente a vida fora da Terra é um tema que fascina o ser humano. Embora haja pesquisadores sérios se debruçando nas evidências de que já recebemos visitas de fora, acho que posso falar com tranquilidade que ainda estamos longe de sair do campo da especulação.
Ter isso em mente não apenas me tranquiliza sobre sermos cenário de um filme do Michael Bay, como também parece mais saudável. Basta ver o crescimento da crença em teorias da conspiração nas últimas décadas. É tentador transferir a culpa de todos os problemas que nosso planeta vive hoje para aliens ou seitas Illuminati. O que complica é quando essas teorias vêm com seus heróis duvidáveis, como Donald Trump para os adeptos do QAnon. Recentemente essas teorias vêm se tornando mais presentes nos discursos da extrema direita.
Aqui ligamos a luz amarela
Teorias da conspiração podem parecer curiosas e divertidas. Mas podem também inspirar atos reais de violência e ainda enfraquecer as descobertas científicas.
O último livro que li foi O despertar de tudo, escrito por David Graeber e David Wengrow. Aliás, não foi o último que li… Foi o último que ouvi, já que optei pela versão em audiobook. Assumindo o desafio de recontar a história da humanidade sob à luz das últimas descobertas arqueológicas e traçar, a partir disso, as origens da desigualdade, a dupla de Davids cometeu um tijolão de quase 700 páginas. O livro me deixava muito curioso, mas também assustado com o nível de dedicação de leitura. A opção pela versão em áudio não poderia ter sido melhor: transformado num podcast de quase 24 horas, fui ouvindo aquilo dentro carro e queria compartilhar com vocês algumas coisas a respeito.
Duas coisas me levaram a este livro. Primeiro, o fascínio que tenho pelos escritos de David Graeber, que tem diversos textos acessíveis sobre alternativas sociais ao modo de vida insustentável que temos hoje (procurem e me agradeçam depois). Segundo, o livro acabou ganhando pela Internet a fama de anti-Sapiens, ou seja, uma crítica ao bestseller do historiador Yuval Harari. Acho que é uma forma muito simplista de definir tudo que tem no livro de Graeber e Wengrow, embora Harari e seu maior sucesso comercial sejam citados diretamente algumas vezes no decorrer da obra. A própria exposição dos fatos em O despertar de tudo contesta várias ideias de Harari. Se você leu Sapiens: Uma breve história da humanidade e quer entender esses problemas, recomendo esse texto escrito por alguém que sabe muito mais sobre o tema do que eu. Óbvio que O despertar de tudo também já gerou discussões, como esse artigo da Jacobin que é quase outro livro.
Uma das críticas de Graeber e Wengrow se dá em torno do argumento de Harari de que a ciência é um fenômeno de origem ocidental (europeu, principalmente), desenvolvido em um período específico da história humana. O historiador sustenta que a invasão europeia trouxe avanços científicos, políticos e sociais aos povos colonizados. É aquele pensamento de que antigamente era tudo mato aqui e isso não tinha como ser melhor do que hoje. Apagar as evidências dos grandes conhecimentos científicos, políticos e sociais de povos ameríndios (e de outras partes do mundo) era comum nos relatos de navegadores. Esse pensamento se propaga até os dias de hoje, quando se mostra o indígena como atrasado ou ignorante numa obra de ficção. Um estereótipo que tem impactos sérios na forma como os descendentes dos povos originários são vistos em nossa sociedade.
Em O despertar de tudo essa ideia de que indígenas eram “atrasados” é desmontada com evidências científicas. Do jeito que qualquer ideia decente precisa ser defendida.
E o que os alienígenas têm a ver com isso tudo?
Já na leitura de O despertar de tudo me caiu uma ficha sobre as teorias conspiratórias. Dizer que a tecnologia necessária para observar as estrelas ou se organizar socialmente veio do espaço é uma forma de apagar todas as descobertas dessas comunidades antes de serem colonizadas. Esse insight se mostrou muito mais forte quando li esse texto do filósofo Tony Milligan, baseado num artigo científico apresentado por ele. A propagação de teorias da conspiração leva a danos reais para as comunidades indígenas e outras minorias.
Felizmente, muita gente já percebeu que Alienígenas do passado é muito melhor como meme do que como série documental. Como escritor e roteirista de ficção, eu tenho cada vez mais pensado nas minhas responsabilidades e no poder que às vezes a gente nem sabe que tem para contribuir com um estereótipo. Mas, veja bem: que esse texto não soe como uma carta dizendo sobre o que você pode e sobre o que você não pode escrever. A responsabilidade de interpretação é do leitor e não nossa, como diz o
nesse texto delicioso. Mas se for escrever sobre uma temática que envolve a história e a mitologia das civilizações indígenas, que tal consultar alguém que tenha uma vivência a respeito no seu processo de pesquisa?No mais, fora do campo da ficção, vamos controlar nossos ânimos com relação às teorias da conspiração. Como diria Alan Moore no excelente documentário sobre sua vida, essas teorias foram criadas para que a gente desse sentido ao que não conseguimos entender e para nos afastar da ideia de que vivemos mergulhados num grande caos. Talvez não estejamos vivos quando tivermos uma resposta absoluta sobre visitas alienígenas. Até lá, o melhor lugar para apreciar esse assunto continua sendo na ficção.
Doidera como isso pega a gente mesmo.
Quando adolescente, eu era fascinaaaaaaaado por Alienígenas do Passado. Aí fiquei adulto e li o Eram os Deuses Astronautas. Meu mundo caíu aí. Eu já tinha um pensamento melhor e ví que era tudo racismo. Muita gente ficaria triste, mas eu fico feliz de não perder mais tempo com baboseiras como estas a partir dalí.
Zé, você já chegou a ler Imminent, do Luis Elizondo? Esse cara liderou o Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais do Pentágono. Eu não sei exatamente qual a credibilidade dele, não fui pesquisar, só mergulhei no livro. Tô na metade e tem umas coisas BEM, bem impressionantes. E fico pensando que ou esse cara é o maior mentiroso de todos os tempos, ou a coisa pode ser bem mais concreta do que imaginávamos. Mas, enfim, só curiosidade mesmo pra saber se você leu ou conhece, pois queria trocar ideia com alguém sobre o livro.