Autores adoram ser Deus (lista do Zé #42)
Um título clickbait para falar sobre worldbuilding na escrita
Já faz mais de um ano que um amigo me pediu um conto para uma revista que ele organiza. É uma revista nova e o amigo sempre foi muito legal comigo, então topei, mesmo não tendo tempo pra algo assim. O tempo passou e o “mesmo não tendo tempo” se concretizou. Aí, meu amigo perguntou sobre o conto…
É nessas horas que o escritor mexe nas suas gavetas, torcendo (quase rezando) pra que alguma coisa esquecida apareça por ali. Mas eu lancei um livro de contos recentemente (“Assombros”, garanta o seu) cheio de coisas de gavetas reviradas. Mas quem procura, acha. Achei uma ideia, um primeiro capítulo de livro, na verdade. Não era ruim o que estava escrito, mas o conceito geral não parecia mais uma coisa que eu escreveria hoje. Passei por esse texto na seleção para o meu livro de contos, vale dizer, e pensei na época que não lançaria esse conto “nem a pau”.
Mas meu amigo pediu um conto… O tempo passou… Enfim, se só tem tu, vai tu mesmo. Reli e fui revisando o texto, escrevi uma coisa ali e outra acolá, apaguei um monte de outras coisas. Vai ser só para essa revista, pensei, talvez nem seja lido por muita gente, vamos dar só um tapinha no texto, só uma requentada, vai dar bom…
Refleti sobre o que não gostava na ideia, no caso o contexto geral, muito ligado à fantasia anglo-saxônica (elfos, anões, orcs etc.). Peraí, se eu mudar isso, todo o resto pode funcionar. Mas mudar esse conceito seria… mudar muita coisa. E lá se foi uma semana de pesquisa, de burilar aqui e acolá o universo da história.
Já vi muitos autores que perderam anos da sua vida no tal do worldbuilding, pensando mapas, línguas, física e histórias pregressas do universo da sua história. E eles fazem isso por muito tempo porque 1) é muito mais complexo do que aparece e 2) é gostoso mesmo se sentir o Deus-criador de um mundo. Já vi muitos se perderem nessa fase, que costuma levar bem mais do que sete dias. Meus colegas simplesmente não conseguiam chegar na outra etapa da escrita, aquela do personagem X precisa ir do ponto A pro ponto B para atingir seus objetivos.
Escritores de fantasia e ficção científica costumam ser apaixonados pela construção de universos, afinal quem não gostaria de ser o criador do próximo “O Senhor dos Anéis” ou do novo “Star Wars”? Eu confesso que nunca segui esse modelo, sempre comecei pela trama da HQ ou livro que queria publicar. Mas vale dizer que isso já me trouxe situações difíceis de lidar, especialmente quando tive que construir suas continuações. Se eu tivesse pensado um pouco mais em conceitos básicos do universo, fichas de personagem e outras coisas assim, talvez teria evitado alguns problemas ou inconsistências na trama das próximas histórias.
Pela Internet existem várias fichas para a construção de universos para escritores. Eu particularmente gosto dos materiais do NaNoWriMo (um dia falo sobre isso por aqui). Eles estão em inglês, mas dá pra se virar usando o Google Tradutor.
Então eu aprendi que é preciso, sim, um certo tempo nessa fase, mais importante em termos de planejamento do projeto do que em simplesmente agradar leitores aficionados por detalhes do mundo da história. Um bom F.A.Q. (perguntas frequentes) sobre o universo de um livro pode ajudar o autor a ganhar muito tempo quando estiver escrevendo “de vera”. E toda pessoa que gosta de escrever sabe que a escrita é sobre escrever muito para aproveitar só um punhado. Eu, inclusive, adoro escrever pequenos dossiês, especialmente nas histórias em quadrinhos, quando preciso dividir o que está na minha cabeça com outros colaboradores (dois deles estão disponíveis aqui na lista de e-mails: Luzia e Arsène Lupin, o ladrão de casaca em quadrinhos).
Mas entender o momento de parar de construir o mundo é essencial. No fim, sem uma obra pronta não há editora interessada, não há agente literário interessado e, mais importante, não há leitores. Eu até acho saudável que uma parte dessa construção aconteça em paralelo ao desenvolvimento da trama principal, afinal a criação de situações para o livro ou HQ ou filme pode fazer com que você tenha que refletir sobre coisas que precisam ser melhor definidas na história, como política, leis da física e tudo mais. O que indico é: defina um prazo atingível para essa parte do processo e comece o quanto antes a escrever aquela parte que o leitor realmente irá ler. Quando se sentir preso no buraco negro do worldbuilding, desligue a internet do seu PC ou celular! Ninguém está interessado em detalhes sobre o modo de reprodução das bactérias no planeta onde nasceu seu protagonista (isso foi um aviso para mim mesmo nesse momento).
Sobre o texto antigo que encontrei, mudei uma coisa aqui e ali (não é mais uma fantasia anglo-saxônica, desculpe fãs de “O Senhor dos Anéis”) e agora estou apaixonado pela ideia de novo. Vou realmente lançar como conto na revista do meu amigo (aviso por aqui em breve onde e quando sairá), mas já decidi que será o primeiro capítulo de algo maior que pretendo desenvolver durante este ano.
Ou não. Às vezes é bom não planejar demais.
Um abraço,
Zé Wellington
Aproveitei e já garanti seu livro