Duas frases para começar a sua história (lista do Zé #46)
Usando a razão e a emoção para desenvolver uma nova ideia
Está rolando a campanha para financiar Cangaço Overdrive: Além das raízes. O projeto está no Catarse, apoie nesse link e garanta o seu exemplar.
Olá, olá!
No momento em que decido contar uma nova história, não importa a mídia que vou usar, eu começo a escavar duas frases que vão ser o ponto de partida do meu processo.
A primeira é mais óbvia: “de onde parte e para onde vai essa história?”. A resposta para isso é a minha primeira frase mágica ✨. Se você já é passado na casca do alho nessa coisa de escrever, vai reconhecer essa frase como a storyline. Em qualquer curso de cinema que você faça vão dar umas regrinhas para ela, coisas do tipo:
– não deve mencionar mais de três personagens;
– não deve seguir mais de uma linha de enredo;
– os personagens não precisam ser citados pelo nome (a menos que sejam personagens históricos famosos); etc.
A não ser que você precise de uma storyline formal para uma inscrição num edital ou coisa assim, fique a vontade para ignorar essas regras. O mais importante é estabelecer de forma clara que um “personagem tenta ir do ponto A para o ponto B”.
Em Cangaço Overdrive, HQ que lancei em 2018, a storyline talvez fosse algo como: “Cangaceiro é revivido no futuro e se envolve em um conflito de propriedade entre uma corporação e uma comunidade pobre”. Na web, encontrei essa storyline para O Senhor do Anéis: “Um hobbit descobre que destruir seu anel mágico é a chave para salvar a Terra Média do Senhor das Trevas”. Se você já leu o livro ou assistiu aos filmes, sabe que tem muita mais coisa nessa história (e depois da storyline é certo que vou pensar em muito mais detalhes), mas, em resumo, todas as tramas giram em torno dessa frase.
A segunda frase mágica ✨ para começar uma história tenta sintetizar o que DE VERDADE eu quero dizer com aquela história: “Qual é o tema dessa história? Sobre o que eu quero fazer as pessoas pensarem?”. Em Cangaço Overdrive, quando o cangaceiro Cotiara chega no futuro e encontra a tal comunidade da storyline, acaba percebendo vários pontos de contato daquele lugar com o lugar de onde ele tinha vindo. Percebe, inclusive, que seu senso de comunidade pode ser a chave para ajudar aquele lugar. Sintetizando esse sentimento em uma frase, teríamos algo do tipo: “Quando agimos em comunidade, somos mais do que apenas um”. Essa frase normalmente estabelece uma descoberta que o protagonista (ou outro personagem) fará ou precisa fazer. A partir dela, pode ficar mais fácil pensar nas situações e cenas necessárias de serem construídas ou até construir os antagonistas da história como pessoas que defendem ou transpiram o contrário dessa frase.
Eu costumo tirar essas frases de um lugar muito especial… do meu coração. O que me incomoda no mundo de hoje? Tem algo dentro de mim que eu nunca consegui lidar?
No seu livro clássico Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro, o roteirista Robert McKee chama isso de ideia governante (outros autores usam nomes diferentes para conceituar praticamente a mesma coisa). Amante de fórmulas e métodos, o McKee define uma série de regras para criar essa frase. Eu não costumo ir tão longe no começo do processo. 😅
A maior sugestão que posso dar sobre essa segunda frase é que ela seja o mais ampla possível. Isso porque quanto mais situações ela puder abarcar, mas chance ela tem de se conectar com seu espectador ou leitor. Algo como “deixar de lado um amor antigo é o primeiro passo para viver um novo amor” poderia ser substituído por “se você deixa algo para trás, ganha algo também”. Perceba que a segunda frase engloba a primeira, que se limita a relacionamentos. O bom da segunda frase é que ela vai se conectar com situações que vão além dos relacionamentos amorosos (deixar um emprego antigo pela experiência de um emprego novo; viver o amor por um cachorro, depois de viver o amor por gatos, etc). A propósito, essa segunda frase eu retirei de um diálogo do excelente filme Vidas passadas, que tem justamente essa premissa.
Com as duas frases juntas, é mais fácil imaginar o que vai acontecer na sua história, criar personagens, definir diálogos, pensar num final que conecte essas duas coisas e por aí vai.
Pegou a visão?
Um abraço,
Zé Wellington
Muito legal. Gosto muito dos teus textos, Zé. Eu gostaria de ter a paciância para escrever regularmente na internet, como você faz. Abração.