Te dói jogar coisas fora? (lista do Zé #43)
Criar é sobre ter coragem de jogar ideias no lixo (ou a importância de organizar suas meias)
Filho de um bancário e de uma professora da rede pública, eu sempre fui um cara bem comedido com essa coisa de consumo. Quando você cresce com grana limitada, a ideia de ter só o que você precisa é bem forte (e eu acabo enchendo o saco das minhas filhas com isso). Gosto de pensar que, de alguma forma, a liseira me estabeleceu um certo controle sobre o capitalismo selvagem.
E ainda tem a ansiedade. Recentemente vi um reel no Instagram (que gostaria de referenciar aqui, mas infelizmente depois que passa é impossível pegar um vídeo de novo nessa rede social) refletindo sobre a necessidade de pessoas ansiosas de organizarem coisas. Basicamente gostamos de organizar nossas gavetas, nossas casas, os arquivos do nosso computador e tudo mais, porque a sensação de ver essas coisas no lugar dá um alívio nas nossas cabeças. É como se toda a nossa vida estivesse no lugar se nossas meias também estivessem no delas. Disso, eu tiro que arrumar as coisas é também ter a coragem de jogar fora aquilo que você não precisa mais.
A soma desses dois fatores (não consigo ter muito + tenho que manter o pouco que tenho no lugar) foi um entendimento que me ajudou a manter a minha saúde mental nesse último ano. Dá pra tirar muita coisa daí, penso eu: ter a tal vida simples é uma boa forma de hackear o sistema que lucra com pessoas comprando para aliviar seu sofrimento.
Mas tem uma lição também sobre criação artística aqui.
Depois de duas décadas de livros, quadrinhos e música, eu percebi que criar é muito sobre manter apenas o que é necessário. Há, sim, uma fase de abundância, de esbanjamento. Qualquer livro de criatividade que você ler vai falar que QUANTIDADE IMPORTA, ou seja, às vezes é preciso ter mil ideias para encontrar aquela única que realmente faz sentido. Essa é a fase de “vomitar”, de deixar sair da cabeça todo tipo de loucura que se pode fazer naquela história. O problema é quando a gente se apega a coisas demais dessa fase…
Nesse sentido, dá pra considerar esse texto como uma continuação do meu texto anterior: cuidado para não se perder no processo de criação. Tal hora, você vai ter que começar a jogar as coisas fora e ficar apenas com o que realmente faz sentido para trabalhar. No seu excelente Sobre a escrita, Stephen King também sugere o método do “vômito” de ideias para fazer a primeira versão da sua história. Primeira versão pronta, ele tranca aquele original numa gaveta e volta dois meses depois, com o objetivo de eliminar 30% do que escreveu. Não curto muito esse lance de matemática no processo artístico (a não ser que sua história seja sobre Pitágoras ou sobre a hipotenusa), mas gosto do espírito dessa dica.
Mas digo de novo: a quantidade de ideias importa, mas não pode ser infinita. Alguma hora você tem que parar de vomitar (uma lição que aprendi no meu primeiro porre). Eu já conheci vários artistas que não sabiam quando parar. Ou procuravam a obra perfeita (spoiler: ela não existe) ou nunca estavam satisfeitos com o que faziam (e isso é normal, não ache que é o único que sente isso). Para mim, o prazo sempre foi o melhor remédio. Só tenho me permitido revisar e reescrever até certo ponto. Depois já era. Se não acho que está tão legal, eu já tenho a desculpa perfeita para mim mesmo: “fica assim pro Zé do futuro lembrar de como ele escrevia no passado, para ele sentir que hoje está bem melhor”.
O Zé do presente sempre acredita nessa lorota.
Um abraço,
Zé Wellington
….
……..
……………
………………….
…………………………..
ATENÇÃO SEGUEM ALGUMAS PALAVRAS DELETADAS DESSE TEXTO PARA SEU DELEITE:
Dar um tempo para o que criou e estar aberto a mudar tudo ou jogar fora um tempo depois. É sobre ter paciência também. Quanto menos paciência você tem pra revisar, mais chance de não gostar do que escreveu.
ESCREVER É SOBRE JOGAR COISAS FORA. É PRECISO ESCREVER MUITAS PALAVRAS ATÉ QUE SAIAM APENAS AQUELAS QUE VOCÊ PRECISA. E VOCÊ PRECISA TER A CORAGEM DE APAGAR AQUELAS QUE NÃO SERVEM MAIS.
Começo: horas perdidas num trecho da dissertação.
Inicio de ano, deixar coisas no ano anterior
Arrumar o guarda-roupa, arrumar a biblioteca
Uma coisa que aprendi a valorizar no exercício da escrita foi a importância de jogar as coisas fora
Fazer mais, fazer bastante, ciente que muita coisa que você vai fazer vai pro lixo. Inclusive coisas que você gostou muito de ter feito
Os maiores escritores que eu conheço são conhecidos pela sua paciência de reescrever. De gerar coisas e jogar fora coisas numa quantidade infinita de vezes.
Criar é vida simples no talo, é sobre jogar coisas foras. É sobre escrever muitas palavras, até que saiam aquelas que você realmente precisa. Mas é preciso coragem para se desfazer daquelas que não irão lhe servir. Mesmo que isso vá doer muito.
Como mal tenho a resposta para mim, não vou arriscar dar a resposta para você.
Exemplo com o tanto de coisa que foi descartada desse texto.