Quem não gosta de ganhar um prêmio, ser reconhecido na sua área e ainda levar um peso de papel luxuoso para exibir na sala de casa? Eu não vou escapar do título clickbait: ao final desse texto vou destrinchar o que sei sobre os principais prêmios literários (e de HQs) do Brasil. Sim, eu já ganhei alguns e cheguei perto em outros. O que mudou na minha vida? Vou falar sobre isso também.
Primeiramente: TALVEZ VOCÊ NÃO PRECISE DE UM PRÊMIO.
Em toda oficina que dou de escrita eu sempre sou meio chato com a coisa de fazer que os alunos pensem sobre os objetivos deles. Por que eles escrevem? Querem viver daquilo? Ou apenas dizer que escreveram um livro? Eles vão vender diretamente os seus livros ou gostariam de publicar por uma editora? Eu normalmente preciso dessas respostas antes de embarcar no meu processo produtivo (mesmo que a resposta definitiva muitas vezes apareça depois). É normal também que as respostas dessas perguntas variem por projeto. É tipo: “esse aqui eu vou fazer para ganhar uma graninha, mas esse outro eu vou fazer do meu jeito e sem se preocupar com isso”. Só acho importante ter este objetivo, especialmente para começar a balancear as expectativas (elas, de novo) que você tem com aquele trabalho.
Faz uns anos que o pai de um amigo lançou um livro. Ele fez um lançamento para amigos e familiares e deu toda a tiragem para os presentes. Foi tudo do bolso dele e ele estava feliz da vida com o momento. Eu realmente acredito que a arte não precisa de comércio (sobre isso, recomendo esse texto do
). Fazer algo simplesmente porque você quer fazer é muito legal. Isso vale para uma exposição, para um filme ou, sei lá, para uma maratona correndo na rua. No fim, você faz por você e para provar que consegue.Então, se você escreve apenas porque isso é importante para você, pode parar de ler aqui. Você não precisa dos próximos parágrafos. E pode se gabar por aí que você consegue minimamente controlar as vaidades artísticas, que mais atrapalham do que ajudam no fazer-arte. Eu mesmo tenho dificuldades para lidar com isso (e talvez ter escrito esse texto seja a maior prova 😣).
Ainda está aqui?
Bom, se você continuou é porque um prêmio tem alguma importância para você. Ganhar prêmios pode ser um objetivo pessoal. Você não é mais dodói que os outros por isso. Então, vamos lá.
Há algumas vantagens práticas de um prêmio, que vão além da vaidade. Faz um tempo que os editais entraram na minha profissional e os prêmios são informações que recheiam bem os currículos artísticos, quase todos com análises de mérito cultural (um negócio superquestionável, inclusive, e que atrapalha os novos artistas). Ter chegado às semifinais do Prêmio Jabuti duas vezes também me levou a fazer muitos eventos, algo que financeiramente é mais relevante do que a venda de livros.
Falando nisso, isso ajuda a vender livros? Essa parte me parece mais relacionada à capilaridade do autor (que, nos dias de hoje, seria o número de seguidores em redes sociais) e/ou o tamanho da editora que o publica. Embora ganhar um prêmio (ou mesmo estar entre os finalistas) possa ajudar nessas duas coisas, no geral o impacto no médio e longo prazo não é tão grande quanto se imagina.
Como ser considerado num prêmio?
Primeiramente, leia os regulamentos. É neles que você entende os critérios de escolha e o grau de dificuldade para chegar lá.
No Prêmio Jabuti, um dos mais festejados do mercado literário, você precisa se inscrever e é bem caro. Isso de alguma forma elitiza o prêmio. Eu gostaria de dizer que aumenta as chances dos inscritos, porque nem todo mundo consegue pagar esse valor, mas a real é que, ainda assim, são MUITO inscritos.
Em todos esses anos lançando livros, só tive coragem de inscrever três trabalhos no Jabuti, porque senti que nos demais não valia o investimento. Dos três, dois conseguiram chegar na já disputadíssima semifinal, então acho que escolhi bem. E aí entrou mesmo a minha intuição, tentando observar o quanto trabalhos vencedores se pareciam com os meus trabalhos elegíveis. Vale dizer que a comissão que avalia o Jabuti muda anualmente, normalmente são três ou quatro pessoas por categoria, que só são reveladas após o fim das inscrições. Esse padrão do Jabuti é válido para outros prêmios literários brasileiros, como o Prêmio Sesc de Literatura ou o Prêmios Oceanos, mas com variações. Esses dois últimos são gratuitos, o que é uma grande vantagem (não tem porquê não se inscrever). Lembrando que Jabuti e Oceanos premiam obras publicadas no ano anterior, enquanto o Prêmio Sesc busca obras inéditas e oferece prêmios em dinheiro e publicação.
Seguem essa lógica premiações mais dedicadas a gêneros específicos, que são ótimas de participar por serem menos concorridas. Meu trabalho na literatura está ligado ao gênero especulativo, então anualmente sempre me inscrevo em prêmios como o da ABERST, da Odisseia de Literatura Fantástica e o Leblanc. O Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) tem seu prêmio Argos há uns bons anos, mas aí você precisa fazer parte da lista de e-mail deles e fazer campanha por lá entre os sócios do clube, que são os únicos que votam.
Nos quadrinhos, temos dois prêmios tradicionais, os troféus HQMIX e Angelo Agostini. No HQMIX, você inscreve sua obra (mediante uma taxa de inscrição bem mais acessível que a do Jabuti) e a envia para ser lida por uma comissão. Essa comissão define os finalistas, que seguem para uma votação feita por profissionais de quadrinhos e da imprensa cadastrados no troféu. Como no Jabuti, a primeira fase é muito dependente da comissão definida pelo prêmio. Já na segunda fase, não tem jeito: tem que fazer campanha nos grupos onde estão possíveis votantes. Enviar a obra em PDF nesse lugares é uma excelente estratégia para ser lembrado na hora da votação, já que é comum que numa lista de finalistas o votante não tenha lido e nem consiga ler tudo que está ali. Essa segunda fase do prêmio tem um aspecto negativo, já que quem é mais conhecido ou tem uma boa plataforma de distribuição (uma editora mais articulada) vai ter mais chances.
O Troféu Angelo Agostini segue uma lógica um pouco diferente: você informa ao prêmio que lançou uma HQ no ano anterior para que ela seja considerada pela comissão do prêmio. Como você não envia a obra nessa primeira fase, mais uma vez acaba favorecido quem distribuiu ou divulgou melhor o seu trabalho. A segunda fase do prêmio era ainda mais desafiante para os sonhadores de prêmios: a votação popular. Não tem para onde correr, ganha quem tem uma base de leitores maior ou quem tem mais disponibilidade para pedir votos.
Não tem outro caminho: tem que conhecer o funcionamento da coisa. Se você escreve poesia, procure os principais prêmio da área, leia os regulamentos e avalia a participação. O mesmo vale para outros gêneros ou mesmo para prêmios de cinema, música etc.
Eu vou ganhar um prêmio seguindo esses toques?
Sabe quando alguém mostra para você um disco que só ganhou destaque num círculo minúsculo no lançamento, mas hoje é uma grande referência? Tipo o The Shape of Punk to Come, do Refused, sabe? Pois é, injustiças acontecem por conta de um sem fim de variáveis. Então mesmo que você tenha colocado no mundo uma obra-prima, por alguns motivos ela pode ser ignorada pelos prêmios, lista de melhores do ano ou leitores. Deixe de lado a ideia de que seu trabalho não é digno. Até por que estes prêmios também tem problemas.
Como falar os problemas de um prêmio sem parecer que você está ressentido por não estar entre os finalistas e vencedores? Pois é, talvez não dê. Então, muita calma nessa hora. Como no ano passado não lancei nenhum trabalho novo (ou seja, nem posso ser considerado para prêmio nenhum), acho que o melhor momento para eu falar sobre isso é agora 😁.
A definição das comissões ainda é um ponto crítico nas premiações. É preciso dar mais espaço para pessoas que não sejam homens brancos do eixo RJ-SP em comissões de prêmios. Na maioria das premiações, é necessário também filtros que avaliem se aquela obra atende ao regulamento divulgado ANTES que os finalistas sejam divulgados. Talvez esses fatores nunca sejam atendidos por completo nos prêmios, então militar é preciso e discutir sobre esses assuntos é muito válido (faço minha parte aqui). Acompanhando de perto as premiações há pelo menos duas décadas, eu vejo que houve progresso nos últimos anos. No mais, premiações que não estão preocupadas com essas questões não merecem seu trabalho entre os finalistas. Vai por mim.
Minha atitude cada vez que sai uma lista de indicações de um prêmio que tenho expectativa de ganhar e não estou lá… é de que preciso respirar fundo e parabenizar aos colegas que chegaram lá. A única certeza que eu tenho é que elas/elus/eles não tem “culpa” de estarem ali e eu, não.
Por fim…
Como você deve ter percebido, ter mais seguidores ou um bom esquema de distribuição para o seu livro/HQ conta positivamente. Eu sei, isso é um saco, eu também não aguento mais essa sociedade do engajamento, mas preciso jogar essa real. Só não vale usar seu precioso tempo para se divulgar, se para isso você tiver que sacrificar o que é mais importante: produzir (já falei sobre isso antes). Não dá para ganhar prêmio se não tiver obra pronta, né?
Eu penso, inclusive, que lançar trabalhos regularmente é o melhor jeito de ser considerado em prêmios, até porque a tendência é que você se torne um artista cada vez melhor com a prática. Se for seguir apenas uma dica desse texto, siga essa.
Marrapaiz, falamos sobre o mesmo tem em news diferentes! hahahahaha unidos pelo zeitgeist: https://avoanteeditora.substack.com/p/mino-e-o-hq-mix
É a primeira vez que tô numa lista. E simplesmente já fiz história e não tô me importando ou empolgando sobre isso. Mas vc tem pontos importantes sobre o tema. Bom texto, meu amigo Zé!